sexta-feira, 16 de abril de 2010

Blues

Por Roberto Vargas Jr.

Eu amo blues. Não que não goste de outros estilos. Gosto muito de rock (muito genérico isso, não? bem, digamos que gosto de um rock não muito pop), punk e jazz. Gosto também de música erudita. Mas sou apaixonado mesmo é por blues! Tanto que até inseri um widget no painel à direita do blog com link para uma rádio online cristã que toca apenas este gênero musical (Christian Blues Net).


Há muitos bluesmen que curto muito, mas Glenn Kaiser é, sem dúvida alguma, um dos melhores que já ouvi e é meu favorito. Mais ainda por ser ele cristão e cantar letras cristãs. Gosto de praticamente tudo que ouvi dele, desde a Resurrection Band (não exatamente blues, mas velhos e bons dinossauros, pioneiros do rock cristão, assim como a banda Petra), passando por seus trabalhos solo e em parceria (destacadamente com Darrell Mansfield e Larry Howard, outros dois excelentes bluesmen cristãos), até seu recente trio Glenn Kaiser Band (um rock pesado com grande influência do blues que eles chamam de blues based rock: excelente!).

Sua biografia, a partir do seu site oficial, diz: “Glenn Kaiser tem cantado blues – e às vezes soul, R&B ou rock — desde que tinha doze anos de idade. Com a sua adolescência atormentada por drogas e abuso de álcool, Glenn ficou limpo ao seguir Jesus após um confronto espiritual que mudou sua vida quando estava próximo de seu décimo oitavo ano de vida. Agora, após mais de três décadas fazendo músicas originais, Kaiser é conhecido por seu vocal cru de bluesman, sua impetuosa guitarra, seus solos bottleneck e sua gaita em cerca de trinta gravações e inúmeros shows ao vivo”. Além de seu ministério com a música, Glenn Kaiser ministra como pastor na comunidade Jesus People USA.

Ouça algumas de suas músicas na Glenn’s Radio. E seguem abaixo dois textos seus sobre blues que estão relacionados entre si (links para os originais, em inglês, nos títulos; aliás, confesso que a tradução, à parte da compreensão, não foi muito fácil). Juntos eles são longos, mas são um deleite para quem gosta do gênero e é cristão.

Blues

Eu amo blues porque é a música com base na voz mais humana que eu conheço. Ela tende a ser muito sincera, porque ela "conta como realmente é", em vez de representar ou fingir que a vida é “legal” e sem sofrimento, como se as pessoas sempre tratassem as outras de forma justa, etc. Faz todo o sentido (como veremos) que o blues tenha nascido da experiência negra na América.

As origens do blues remontam a África e ao povo africano. Lá, poucas tribos tinham um alfabeto escrito ou um meio de registrar e transmitir informação entre eles e suas crianças. A principal exceção a isto seriam a pintura, escultura e algumas outras formas arte, tais como dança. Ainda assim, a história falada ou cantada (e, muitas vezes, expressadas em ação) foi o principal meio de comunicação de experiências passadas, bem como apresentar verdades éticas importantes para a tribo.

Todo o drama humano de acontecimentos e de emoções que os acompanham (amor, ódio, medo, confiança, satisfação, desejo) foi dito ou cantado, e daí temos uma base de "cultura oral". Este cenário continuou quando o comércio de escravos separou famílias e tribos, levando muitos africanos para os EUA e para o sul.

Tudo isto tem muito a ver com o blues, pois foi primeiro na sua própria língua nativa, depois num inglês ruim, e em seguida na linguagem coloquial que histórias e princípios foram partilhados no seio dos grupos para os quais eles foram empurrados. É indiscutível o fato de que havia muito sofrimento pela contínua perda da terra natal, lugar e família, além de trabalho forçado, abuso físico e doença. Neste crisol, a esperança em grande parte surgiu apenas como o resultado do Evangelho sendo pregado (por possuidores de escravos, seus ministros e outros) e recebido por alguns dos mais compreensivelmente desesperados povos que a América conheceu.

Em tais condições, como escravos nas plantações, fizeram o que eles nunca tinham feito em sua terra natal. Eles cantavam enquanto trabalhavam, cantavam para se divertir e continuavam cantando, bem como falando, a fim de comunicarem uns com os outros. Para fazer com que o dia corresse um pouco mais fácil. Para libertar algumas das emoções da sua condição por meio de uma das poucas vias deixadas em aberto para eles: a música.

Todos os que escrevem em profundidade sobre este assunto mencionam o “field holler” (nota: a canção dos escravos) e várias outras formas de cânticos, gritos e canções de “chamada-e-resposta” permeando o ar acima das plantações sulistas de algodão (e outros) da época. À medida que o tempo passou e a Boa Nova da salvação foi proclamada, muitos escravos agarraram uma das poucas oportunidades à sua disposição de reunirem-se independentemente, o Serviço Dominical. Bom que muitos proprietários de terras eram cristãos (ou, em maior ou menor grau, cristãos em sua filosofia) e teriam, assim, concedido tal privilégio ao menos uma vez por semana. A regra básica era de que essa reunião seria permitida até que qualquer tipo de revolta de escravos surgisse como resultado. Em tais casos, esses encontros religiosos seriam encerrados.

Em alguns casos, a pregação era feita pelos próprios proprietários de terra. Às vezes, o trabalho do "púlpito" era dado a um orador talentoso entre os escravos. Mas sempre e sempre a música foi cantada. Há registros de muitas destas primeiras igrejas negras que tinham o acompanhamento dos senhores de escravos, ou de alguém de sua família, ou ainda algum empregado, isto se não fossem espiritualmente dirigidas por eles. O acompanhamento era feito para, mesmo que por nada mais, monitorar as atividades e as informações passadas entre os escravos a cada domingo. Como um crente, considero muito interessante ler o que tais brancos que acompanhavam os cultos negros mencionam: seu espanto pelo poder nas vozes e nas músicas que ouviam apenas em tais reuniões. Especialmente este aspecto dessas reuniões em particular foi causa de agitação de consciência e de fé bíblica entre mais do que alguns poucos senhores brancos.

Alguns senhores viram que por meio disso alguns de seus escravos foram ensinados a ler e escrever. Para esses, a Bíblia se tornou uma fonte disponível e muito respeitada, não apenas da verdade espiritual, mas de fato histórico, bem como um livro didático a partir do qual praticar leitura e entendimento.

O que tem tudo isto a ver com o blues? Siga o Filho...


Davi foi um bluesman

Talvez a verdade teológica mais básica já pregada na sociedade afro-americana surge do relato bíblico de Moisés libertando Israel da escravidão de faraó. A óbvia conexão entre o seu quotidiano com o dos filhos de Israel é imediata e absoluta. Deus ofereceu a única esperança de liberdade, quer na próxima vida, nesta, ou em ambas. Eis aqui a SUA história no mais respeitado Livro de todos os tempos! Esperança. Um Salvador. Libertação da dolorosa escravidão. Dignidade restaurada para um povo que, por gerações, não tinha nenhuma.

Outras histórias (José vendido como escravo sem que ele tivesse qualquer culpa, Daniel na cova dos leões, mesmo Sansão e a vitória final de cada um deles) ofereceram a única esperança a essas pessoas que um dia foram fortes e orgulhosas. Enquanto essas pessoas cantavam em grupos, compartilhavam um sentimento de comunidade. Todo mundo sabe que a partilha de um fardo faz que ele seja leve. Por meio da canção, lembretes de comunidade, de graça e de esperança a partir das histórias bíblicas, ajudou a dar a este povo um sentimento de significado, propósito e valor, em um mundo onde, em todo caso, eles estavam no fundo do poço.
É interessante que, se alguém viesse a classificar as canções do Livro dos Salmos em categorias, “lamentos” seria o maior dos grupos. 57 das 150 letras deste livro bíblico falam sobre lutas, problemas e situações negativas. Eles choram, gritam e imploram por libertação. Davi e os outros escritores dessas letras tinham muito em comum com uma cultura escrava, muitos anos e milhas longe deles. Evidentemente, nem todos os escravos seguiram Cristo. Mesmo entre aqueles que continuaram a sentir o peso das suas circunstâncias diárias. A partir de tudo isso foi que surgiu uma forma musical verdadeiramente única conhecida como “The Blues”.

Tenho pesquisado este tema há muitos anos, e posso dizer com certeza que não há um autor (livro, revista, etc.) que venha ao assunto sem certo grau de parcialidade. Eu não sou diferente, e como eu disse no começo, eu amo blues.

Como cristão sou frequentemente questionado sobre o paradoxo na expressão “blues cristão” (nota: blues também significa tristeza). As pessoas de fé por vezes duvidam? Será que aqueles cujas vidas são baseadas na esperança experimentam o desespero? Será que o crente que segue este Deus que se refere a Si mesmo como Amor Encarnado sente dor? Coisas ruins acontecem com eles? Eles são imunes a provações, tristezas e lutas?

Se alguém pensa e se refere honestamente a experiências de vida, não importa quanta fé, esperança e amor que Deus tenha nos dado, a resposta às questões acima são “sim, sim e sim”. O mundo, como nós o conhecemos, é caído. O pecado está presente. A possibilidade de tanto pecado e retidão numa vida com Jesus está sempre presente para todos nós. Para além do pecado, as pessoas também cometem erros. Além das lutas e dificuldades de relacionamento humano, há coisas como doenças, catástrofes naturais, etc. Acho que não há escapar do fato de que, cristãos ou não, certamente a experiência do blues (tristeza) – musical ou social – pode ser e efetivamente é partilhada por todos.

Como forma musical, o blues é básico. As músicas, de doze compassos (um verso ou coro completo normalmente contém doze medidas, três acordes), são básicas, simples e diretas. Independentemente do tempo e da produção, que é imediata e, na maioria das vezes, coisas bastante grosseiras. O mesmo que dizer “despretensioso”, realmente. Tal qual foi afirmado no início do parágrafo, o blues é baseado na voz humana. Se alguém examina um blues padrão, facilmente ouve o violão ou guitarra, a gaita, os teclados e o sax – quando solando (tocando melodias) – soando e muitas vezes ecoando uma sucessão de notas que poderia facilmente ser cantada. Mesmo os instrumentos de base – baixo e bateria – muitas vezes imitam o fraseado do repertório do cantor de blues.

Como ministro de música, tudo o que foi dito acima não é só tocante para mim, mas também oferece um excelente veículo por meio do qual se comunicar as mensagens que eu estou convencido que Deus quer que o meu público ouça.

  1. Como Jesus fazia, é um excelente veículo para contar histórias.
  2. Pode liricamente dar de ombros, rir, apontar a loucura, o desespero e lançar fora a mácula, de tal forma a demonstrar o evidente ou surpreender totalmente o ouvinte.
  3. É amplamente improvisada – isto é, a maioria dos músicos tocam uma forma básica de uma determinada canção e, em seguida, em um concerto ao vivo, mudam tudo com base no que a multidão e eles próprios estão se sentindo –, fazendo coisas novas e interessantes; um pouco arriscado, desafiador e divertido para ambos, artista e público.
  4. Das 150 canções do Livro dos Salmos, 57 (o maior grupo, se os Salmos fossem postos em categorias) são salmos de “lamentos”. Lutas, necessidades, clamor.
  5. Pessoas que raramente ouvem e nunca compram gravações de blues e muito menos assistem shows de blues tendem a AMAR o blues quando elas ouvem um blues de verdade e bem tocado; e estou convencido que muitas das razões são encontradas no ponto acima.
  6. Por último, penso que escrever, cantar e tocar blues é uma coisa instintiva, intuitiva para mim, como você agora deve ter notado.
Eu cresci com recursos da assistência social na região central do Wisconsin. Minha família comprava em lojas econômicas quando não era legal fazer isso. Nós ficamos pobres devido ao meu pai ter sido roubado por um parceiro de negócios, bem como por sua própria doença e várias operações. Casas de fazenda frias, pouca comida e nenhum dinheiro para poupar foi a regra por muitos anos. Meus pais se divorciaram quando eu tinha nove anos. Minha família se desintegrou num espaço de cinco anos, e depois eu tive overdose três vezes, tentei suicídio e, finalmente, clamei por Deus e Sua ajuda e misericórdia... Acho que tive uma boa compreensão do que é a rejeição, o sofrimento, o ódio a si mesmo e a pobreza.

Tocando em bandas, houve um período de três anos em que eu não escutei nada além da música feita por pessoas afro-americanas. Eu simplesmente descobri que o que eu ouvi nesse gênero (blues, soul, R&B) tinha mais substância emocional e verdadeira do que todas as coisas “brancas” que eu havia ouvido ou tocado. Um entrevistador de rádio me perguntou anos mais tarde como eu havia voltado ao rock branco. Minha resposta? “Jimi Hendrix”! Neste ponto nós dois rimos. Eu nunca tinha considerado, antes desse momento, que um músico negro me trouxe de volta para as minhas próprias raízes brancas. Mas, a essa altura, eu já havia tocado em tantos shows e escutado tantas horas de rádio e gravações que a música, com suas nuances e cadências, tinha-se tornado uma parte de mim.

Tenho vivido em uma área bastante difícil de Chicago durante os últimos 23 anos. “Parte de mim” o blues ainda é. E Jesus era “um homem de dores e experimentado no sofrimento”. Isto é tranquilizador, não é?

Dos velhos tempos, do blues acústico, os pais de blues, os que mais me influenciaram foram Blind Willie Johnson, Rev. Gary Davis, Rev. Dan Smith e Joseph Spence. Por quê? Amo as letras, a honestidade, musicalidade e o som em geral. Tenho grande respeito por eles. No blues moderno, eu amo Michael Hakanson-Stacy, Darrell Mansfield e Larry Howard. Cristãos sólidos, grandes músicos, queridos amigos e dignos de respeito. Eles SENTEM o que cantam e tocam. Todos nesta lista o fizeram/fazem a maior parte do tempo. Essa é a resposta simples.

Não posso nem começar a dizer quais Salmos eu amo. São muitos, demais sequer para começar. Quero dizer, são mesmo muito, muito numerosos. 119, 1, 3, 8, 112, toneladas deles. Eu provavelmente leio Salmos mais do que qualquer outra coisa, especialmente nos últimos seis ou sete anos. Normalmente, é o primeiro livro para o qual me volto ao abrir a Palavra a cada dia. Davi, o escritor da maioria dos Salmos permanece meu maior inspirador. É verdade, um pecador, corajoso, idiota, um líder, contrito, caro amigo, sogro amoroso, um pateta concupiscente, o homem segundo o coração de Deus, pastor, um bluesman bíblico, adorador, seriamente feroz sobre Deus ser honrado em primeiro lugar. Que cara!

Soli Deo Gloria!
                                                                                                   Publicado originalmente no blog do Roberto Vargas Jr.

6 comentários:

  1. Olá Pedro!

    Gratificante encontrar seu blog. Também gosto muito de blues, e de música negra americana de um modo geral.

    Parabéns pelo trabalho apresentado aqui. Já estou seguindo!

    Aproveito para lhe convidar a conhecer meu blog, e se desejar também segui-lo, será uma honra. Seus comentários também serão muito bem-vindos.

    www.hermesfernandes.blogspot.com

    Te espero lá!

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  2. Mto legal Hermes, e valeu mesmo!
    Já conheço o blog e leio os posts sempre que possível. Já to indo lá seguir!
    Grande abraço, meu irmão e Deus abençoe!

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  3. A Paz.
    Entrei só pra dar uma olhada e já estou seguindo o blog.
    Apareça lá no "O Pastor" e dê uma olhadinha também.
    PAz.

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  4. Já tô lá no "O Pastor"!
    Grande abraço!

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  5. Caro Pedro,

    Seu blog está muito interessante!

    Que Deus continue com vc!

    Quanto a permissão de publicação, fique a vontade. O que Deus me deu pela graça é oferecido de graça para exatamente abençoar outras pessoas. Obrigado por sua visita no meu blog e volte sempre!

    Um forte abraço,
    Mrcos Sampaio

    http://www.marcossampaio.com.br

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  6. Olá Marcos, obrigado
    e que o Senhor continue o abençoando
    e o usando para a glória dEle.
    Abração.

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